A Maternidade como Território de Humanidade
A maternidade real pode ser imperfeita e sentida na pele, é suficiente e profundamente humana.
Nadiely Oliveira
4/9/20254 min read


Sabemos que a maternidade está longe de ser uma experiência universal e homogênea, pois é vivida de formas distintas, influenciada por fatores psicológicos, sociais e culturais. Na psicologia, pode-se dizer que se trata de um processo complexo, que envolve tanto a gestação do filho quanto a transformação subjetiva da mulher, analisando os impactos emocionais, os conflitos psíquicos e os desafios que o ato de tornar-se mãe impõe à sua identidade.
Para Donald Winnicott, pediatra e psicanalista britânico, a mãe idealizada é uma ilusão — e isso, até certo momento, é necessário e saudável para a relação mãe-bebê, pois, aos olhos do bebê, a mãe “precisa” ser perfeita, uma vez que é dela que provém sua sobrevivência física e emocional.
Porém, é importante que, gradualmente, essa mãe comece a apresentar falhas e, assim, passe a mostrar a realidade a esse bebê. Por exemplo, inicialmente o bebê pensa que produz o próprio leite, mas, aos poucos, vai entendendo que esse leite vem de algum lugar, o que traz, de certa forma, uma “desilusão” — essencial para o desenvolvimento da criatividade e da autonomia.
Winnicott, então, apresenta o conceito da mãe suficientemente boa — aquela que consegue atender e falhar na medida necessária, o que ajuda o bebê a se desenvolver. Com isso, já se retira o “peso” de ser perfeita. Em primeiro lugar, é preciso questionar: o que seria essa perfeição? E, em segundo, considerar que ela seria impossível — e até prejudicial.
Talvez essa necessidade de perfeição venha do início, quando realmente a mãe deve atender às necessidades do filho e alimentar essa ilusão — como em um estado de devoção intensa ao bebê. No entanto, isso deve ser temporário; quando essa mãe, ou a sociedade, transforma esse comportamento em um padrão permanente, acaba por prejudicar o desenvolvimento da criança e gerar muita angústia nessa mãe.
Trago aqui esse conceito principalmente ligado à relação mãe-bebê, pois é onde tudo começa, tornando-se a base para um desenvolvimento saudável. Se não for cuidado, pode se estender por toda a vida de ambos de forma desestruturante, trazendo à tona relações prejudiciais, problemas na capacidade de estar só, dificuldades de tolerância à frustração, distorções na percepção da realidade e dificuldades na regulação emocional — exigindo, talvez, um esforço maior de reparação no futuro.
Assim, em relação a essa idealização, a psicanálise nos ensina que idealizar a mãe é negar sua humanidade. Ela nos mostra que o que importa não é a perfeição, mas a presença autêntica — com suas falhas, reparos e afeto. Como dizia Winnicott: “Não se preocupe em ser perfeita. Preocupe-se em ser real. É disso que seu filho precisa.”
Uma das formas de lidar com esse momento é poder nomear esses afetos, tanto para si quanto para os outros. Colocar-se em um ambiente seguro, onde possa demonstrar-se vulnerável e lidar com esses sentimentos de forma honesta, como: “Amo meu filho, mas também sinto uma exaustão que me assusta”, pode ser tranquilizador — mesmo que, naquele momento, nada mude efetivamente. Contar com o apoio de outras pessoas (cônjuge, amigos, familiares, grupo de mães) ajuda bastante nesse processo. Saiba pedir ajuda e permita-se enfrentar a vergonha e a culpa, pois, acredite, apesar de percebermos uma exigência social de perfeição, não é incomum que as mulheres passem por esses sentimentos ambíguos, muitos dos quais não conseguem expressar. Isso acaba tornando-se quase um sentimento compartilhado, porém velado.
Permita-se também momentos de descanso. Novamente, reforço que há momentos em que o “afastamento” é necessário. Winnicott traz o conceito de “objeto transicional”: utilizar um ursinho ou paninho que o bebê adora ajuda a ensiná-lo a lidar com a sua ausência. Assim, você pode se permitir pausas.
Como escreveu a psicanalista Françoise Dolto: "Amar um filho é também suportar não entendê-lo, não atendê-lo e, às vezes, desejá-lo longe. Isso não o machuca; o que machuca é o amor que nega sua própria complexidade”.
E, se, mesmo entendendo esse processo, ainda persistirem a culpa constante, os pensamentos de inadequação radical e a raiva incontrolável, esses são indícios de que será importante buscar ajuda profissional. Procurar terapia não é uma falha; é um ato de responsabilidade consigo mesma e com o bebê.
E aqui escrevo como especialista em saúde emocional e mãe. Não posso dizer que foi e é mais fácil, pois carrego um duplo olhar (teórico e existencial) sobre os prazeres e desafios da maternidade.
Por fim, entre conceitos teóricos e a realidade vivenciada, a maternidade se revela como um novo território humano a ser habitado, com suas paisagens de luz e sombra. Ser mãe é aprender, na pele, que o amor mais profundo coexiste com a frustração, e que a entrega absoluta não anula a saudade de si mesma.
A psicanálise, no fim, só confirma o que o coração materno já suspeitava: que o amor verdadeiro não se mede pela perfeição, mas pela capacidade de estar presente, mesmo quando essa presença é imperfeita, trêmula, cheia de contradições. E é justamente nelas que reside a possibilidade de crescimento, tanto para a mãe quanto para o bebê.
Talvez a sabedoria mais profunda esteja em abandonar a busca pela mãe que imaginamos ser e abraçar a mãe que somos: ferida, sim, mas também forte; cansada, mas ainda assim capaz; cheia de perguntas, mas disposta a continuar. Porque é no espaço entre o "eu deveria" e o "eu posso", entre a culpa e o perdão, que se constrói a única maternidade possível — a real. E essa, por mais que doa às vezes, é sempre suficiente.
Que esta leitura sirva não como um manual de instruções, mas como um abraço teórico e emocional para todas as mães que diariamente negociam entre o ideal e o real.
Por Nadiely Oliveira
Referências
DOLTO, F. A causa das crianças. São Paulo: Summus, 1987
WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. Tradução de Álvaro Cabral. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
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